Sunday, August 29, 2021

Bruta



Sou pedra, 

bruta soul

Inalterada

Selvagem.


O que é bruto não está pronto para servir.


Das coisas que aprendi, larguei-as e esqueci. 

Vivo o movimento de esquecer

Desaprender a retidão 

Des-refinar o corpo, 

Deturpar a ordem dada.


Bruta 

Rasgo com arestas

As mãos dos negociantes. 

Nem sabem o que é pedra,

Julgam pela cor

Cortam, esmeram, lustram.

Depois dão o nome de diamante. 

Há quem acredite.

Ora, que senso faz a pedra fora do fora?

Mercadoria

nutrindo o vazio do que é perenemente oco.


Querem-me diamante

Para esconder numa caixa

Um caixão? 

Um caixão para guardar a vida, esta vida. 


A brutalidade, 

a ferocidade

foram tiradas de contexto.


Deixem-me ser bruta 

como só o pernicioso espinho,

o lobo faminto,

a delicada flor

E o amor sabem ser.

E eu derramarei meus minérios

No colo da terra.


Vanessa De Aquino

2021


Sunday, May 2, 2021

Mundo Novo



Afinal, pra que saber com quem te deitas? 

Apenas quero que te deites comigo.


É desejo sim. Amor, admiração

Quero deitar-me com a paixão.

Experimentar 

o prazer mais que carnal 

de saberes escondidos, 

rico em sentidos e sentimentos embolados

que enjoam o estômago e aprumam a alma.


Pra que saber se é pecado? 

Se a conduta pune? 

Se outros olhos questionam?

Quero mesmo é viver este desejo. 

Se ele revoluciona isso é para os outros, 

No porvir d’ondulação desta vontade.

Eu habito lá, no depois da revolução, 

onde o desejo já é fato,

criadouro do impossível.


Agora vem, segura a minha mão

e com teu saber desvela o seio 

que guarda o brilho da floresta.

Esquece só agora o que tens e o que deves, 

sente e vive o diminuto instinto 

que abre portas nunca abertas 

e as portas bem fechadas

por quem bebe nossas veias

E mastiga nossa luz.


Não olhe para trás, 

olhe para todos os lados.

Cada lado é sempre frente 

se com o corpo és uno.


Não pare, vem, 

é nossa chance de escapar do que se manda, 

conecta teus dedos nesta terra que aguarda sementes verdadeiras. 

Sejamos ervas daninhas, que ceifadas hoje, crescem de novo amanhã, 

Porque não temos fim, 

Tampouco há começo, 

E nunca se sucumbe quando se está em todos.


Vem, deita-te comigo e incendeia o velho mundo.



Vanessa De Aquino

Sunday, February 14, 2021

Futuros Náufragos


A Fria Lisura



É na fria lisura do aço

Que eu vi o presente passar


Legiões de monarcas

Temem por seus empregos

Órgãos à flor da pele 

E a pele já nada pode


A queda nunca tem fim


No mar naufragamos em vão

A seca que não se sacia

Está por dentro

Pelas ruas

No caos da aparência 


Somos todos futuros náufragos 



Da terra brota o pó em forma de vida morta 

Pavimentando a história com sombras que nos embotam

Governos, igrejas, mercados… a morte, eles abortam

Mas estiram nossos corpos frios no incólume concreto


O tato não reconhece o corpo


Caminham pés sem corpos, olhos sem retina 

Medos, sonos, cobiças transitam pela cidade

Comprando poeira bonita com pérolas que já não têm

De construções impotentes gritam algo sem grito

O eremita é o único que escuta.


A escuridão está morta


Escalam montanhas de coisas

São restos de humanos sonhos

Importa é estar no topo

A chegada é sempre um poço 


Velhice virou desmazelo


A uniformidade impera 

É o veto à diferença

Trancados do lado de fora

De nós mesmos


A boca jamais se escuta


A riqueza, essa miséria

Todo ouvido, fechado

Todo o silêncio, banido

Todo pensar, pré-cozido

Todo amor, descartável 

Toda dor é curável

Todo animal é o outro


O que resta de nós?

O que resta de nós?


Poema e foto: Vanessa De Aquino

Dec 2020




Thursday, February 4, 2021

O Conto Da Rua Das Flores


 

Havia uma casa na Rua das Flores onde crescia uma roseira. Porém, a cada ano ao final da primavera, apenas uma rosa floria. 

Era uma rosa tão formosa que ao passar diante dela, todos se detinham inevitavelmente para admirá-la. Porém, após ver tal rosa, as pessoas não eram mais capazes de ver beleza em nenhuma outra coisa. E para ver de novo alguma beleza no mundo, só mesmo passando pela Rua das Flores para ver a rosa. 

Toda a gente que admirava tanto aquela flor sentia sua vida seca e pálida quando a rosa morria no princípio do inverno, pois não podiam encontrar a beleza em nenhum outro lugar. 

Curiosamente, a cada ano, mais e mais pessoas se reuniam em frente a casa antes do fim da primavera. Elas desejavam voltar a ver a beleza que já não viam há tanto tempo.

Um dia, pouco a pouco, uma multidão começou a disputar espaço diante da casa, uns tentavam avançar, outros empurravam os que tinham lugares mais à frente, tudo para ter a chance de ver a flor. De repente, as pessoas começaram a matar umas às outras temendo perder a oportunidade de ver a rosa mais uma vez.

Quando todos estavam mortos, milhares de botões de rosa floresceram a tal ponto que na rua das flores não se podia ver nada mais que botões de rosa brilhantes cor de sangue.


Vanessa De Aquino

10-2010

Sunday, November 22, 2020

Escola de Dança


Há na alameda onde moro,

Uma nova escola de dança,

É um prédio bem na esquina

Da Inspiração com Poesia


Quando a tarde se avizinha

E o sol quer descansar,

Subo a rua dos Desejos

Para ver as bailarinas,


Escorrendo na vidraça

A beleza inunda a rua

Onde bailarinas giram

E ganham minha mesura.


Escurece, a escola fecha.

Caminho pela Solidão

Volvendo à casa onde habito

Na rua da Imaginação.


Vanessa De Aquino.

2010


Saturday, November 14, 2020

In Time / Em Tempo (tradução)

By Vanessa De Aquino



Where is the past?

Traveling through space
to the eyes of the beholder

Can I bend the space to rescue my past?
Through a wormhole join the observer?
Catch the light that bears my story?
Would I see the big picture? Find the answers?

What good are the answers to what is already dead?

If I bend space, if I beat light
Would I be standing in the future?
Or ignoring my present?
When my earthling eyes in the past
Search for me in the future.

Where is the future?

In calculated predictions and scientific models? 
in vain parents’ plans of tomorrow?
What is this terrifying ghost making us step forward?
This illusion that crumbles into present when touched 
And shatters into the unreachable see-through-glass-chamber of the past.

What is it, the future?

An invention, an illusion 
A mirage, a deduction
A promise, a prediction 
A hope, a calculation
A feeling, a seduction
Distracting us. 

No future can be controlled
But present is the future’s harness

Where is the present?

Like restless waves in an agitated ocean,
It’s passing through without minding us
Flooding our dreams with reality 
Drowning us into history
Now
And now
And now.


Vanessa De Aquino
June 2020

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Segue abaixo uma tentativa de tradução do poema acima. Tal tradução, feita por mim ainda precisaria de extensivas revisões para alcançar a real aura do poema original. Porém, pelo bem da experimentação, acredito que ainda é válido adicioná-la. 

EM TEMPO



Onde está o passado?


Viajando pelo espaço

Rumo aos olhos do observador.


Seria possível dobrar o espaço e resgatar meu passado?

Por um buraco de minhoca me juntar ao observador?

Agarrar a luz que carrega minha estória?

Entenderia eu a situação? Encontraria respostas?

Para que servem as respostas para o que já está morto?

Se eu dobrar o espaço, se eu vencer a luz
Estaria eu de pé sobre o futuro?
Ou ignorando meu presente?
Quando meus olhos terrenos no passado

Procuram por mim no futuro. 


Onde está o futuro?


Em previsões calculadas e modelos científicos?

Em vãos planos maternais sobre o amanhã?
O que é este aterrorizante fantasma nos fazendo andar para frente?
Esta ilusão que se esfarela em presente quando tocada

E se estilhaça na intocável câmara transparente do passado.


O que é isso, o futuro?

Uma invenção, uma ilusão

Uma miragem, uma dedução

Uma promessa, uma predição

Um sentimento, uma sedução 

Distraindo-nos. 


Nenhum futuro pode ser controlado

Mas o presente são as rédeas do futuro

Onde está o presente?


Como incansáveis ondas do agitado mar, 

Está passando entre nós sem se importar

Inundando nossos sonhos com realidade

Afogando-nos em história

Agora, 

E agora,

E agora.


Vanessa De Aquino

Junho 2020 


Thursday, November 5, 2020

O Entrelaçamento Quântico

 Para Ketely de Aquino


De repente eu me lembro 

da gênesis, 

o líquido início, envolto em água da vida

a faísca, 

o encontro único,

o maior romance do universo resumido em células incompletas

que se completam…

Eu me lembro da gênesis 

E via o seu sorriso, suas maria-chiquinhas, 

os braços colados no ventre que nos separava. 

Eu via como se eu visse tudo muito melhor do lado de fora, 

ainda que estivesse do lado de dentro. 

Era você, meus olhos, me contando das maravilhas que via, 

Meus ouvidos apegados às músicas que cantava… 

E o teu ouvido colado no meu mundo 

Eu me lembro do quanto você amava o lado que ainda não era, 

o lado meu, o lado que outrora fora seu… 

Onde mora a espera sem consciência, 

Onde a ciência explica, mas não compreende. 

Eu me lembro do seu chamado 

E eu vim para ser mais do que autoriza a classificação ordinária da sociedade. 

Eu vim para ser com você e não sem, porque foi com você que eu comecei a ser 

Seu amor me nutria, 

o cordão umbilical universal qu'inda nos une, no mesmo universo, na mesma história, no mesmo   tempo… 

Eu me lembro disso… o cosmos sorriu 

Do seu gozo uma partícula de estrela se dividiu, 

Suas metades pousadas no DNA que adotamos. 

Estava feita a nossa ligação, 

Uma eterna e efêmera vida no planeta Terra. 

Tudo para prolongar a recordação do primeiro sorriso cósmico. 

Eu me lembro de você, 

História milenar que vem antes de nós 

e que continuará na espiralação do universo 

mesmo depois de que tudo do que 
nos lembramos se tenha ido. 

E como o tempo não é, não foi e não será em nossa história, 

percebo agora que simplesmente não me lembro… 

porque tudo é, porque somos e apenas somos. 



Vanessa De Aquino


26 Março 2016

Quantum entanglement

Saturday, October 24, 2020


Photo: Vanessa Emmanuelle - O poder da borboleta
                                                                         

Viver é essa brisa fria 
No vai-e-vem das minhas asas

Borboletário divino

Colorido destino

Esvoaçar desvairado.


Vanessa Emmanuelle

2003

Saturday, October 3, 2020

Sobre Super-Poderes

E porque eu sorria, me sorriu também.

-Por que sorris? - Indagou.


-Se o simples olhar pode mudar o comportamento dos fótons. Imagine o que não pode o sorrir. 


Vanessa Aquino





Wednesday, September 9, 2020

Sobre O Que Queremos



Talvez a força que eu procuro não esteja aqui.
Talvez a força tenha se mudado.
O tempo secou as árvores e nem mesmo um dilúvio poderia reanimá-las. 
A força se esvaiu, virou outras coisas bonitas que não vemos mais. 
Ignoramos outras dimensões, outros ângulos. 
Somos ciclopes mentais, de visão muito restrita para compreender a realidade,
Outras camadas, outras inteligências.
A violência é nossa primeira resposta à tudo. 
A insinceridade é nosso refúgio.
A humildade seria a salvação, mas não queremos salvação.
Queremos mesmo é ser Deus.


Vanessa Aquino

04 nov 2019



About What We Really Want


Maybe the strength isn’t here. 

Maybe the strength is over.

Time has dried the trees and even a deluge wouldn’t reanimate them. 

The strength vanished, turned into other pretty things that we can’t see. We ignore other dimensions, other angles. 

We’re mental cyclopes, with a very restrained view to understand reality. 

Our first answer to everything is violence. 

Insincerity is our refugee.

Humility would be our salvation, but we do not want salvation. 

What we really want is to be God. 


Vanessa Aquino
04 nov 2019
Photo: Vanessa Aquino

Thursday, September 3, 2020

Sem Compaixão






Venhas rei, o soberano deus, o palatino

Contrito, ávido, heróico, carabino

Avançando terras que a morte ecoam, 

Onde nacos, grama, grãos e seixos voam

Das patas do teu pegasus cujas asas troam


Venhas vespertina estrela faminta de mil sóis 

o ventre pronto, a casta, a pura série de bemóis, 

Rondando nossos passos tímida raposa, 

Furta-nos futuro em ovos, crias… ousa,

Vem matar a sede que em nós repousa. 


Venta ventania com tirânicas feições

Imune, torpe, mórbida, até frustras furacões,

Estendem-te os braços damas e homens de bem

“Justiça contr’os maus!” nutrindo seu desdém 

Talham o teu sangue ao pronunciar: Amém!


Vem espessa nuvem, purga e batalha

Realizar dos homens este sonho de navalha, 

Deita o sangue de seus filhos sobre os olhos cegos,

De quem ensina o umbigo, o roubo, os grandes egos.

E deixes, que da compaixão eu m’encarrego. 


22 julho 2020


Vanessa Emmanuelle


Thursday, August 27, 2020

Seduções Solares






O sol vai alto
Não sei se bêbado ou esnobe. 
Promíscuo, às vezes se enrosca com uma nuvem. 
Daí esfria e segue como quem se obstina em chegar. 
Não sabe, está estático, agarrado ao trono. 
– Não faz assim! – Me acarinha o rosto. 
Não gosta das suas verdades. 
Quem gosta?
Não conto, já que não quer ouvir,
Que se ele brilha não é porque quer
Brilha apenas por ser quem é. 
Não se enganem, brilhar e dar suporte à vida são ações distintas abrigadas em corpos celestes diferentes. 
– Falas de mim? – Me acaricia o rosto agora com mais força. E toca tudo o que as sombras deixam.
– Quero tocar à todos. 
– Tocas demais. – Explico. 
Ele se esconde atrás das nuvens. 
– Nos seus braços vamos fenecer sufocados um dia...
– Não sou eu quem dita as regras. – Diz sem se desfazer da nuvem que lhe afaga a cara. 
– Eu sei. 
Olha-me com um olho cintilante mas sentido, como quem também conhece seu fim. 
– Por que me chamastes?
– Tenho frio. – disse – Mas quero ir ao rio, me banhar. 
– E queres que eu toque tudo o que posso no vale? – Pergunta com ironia. 
Eu dou de ombros e nego com a cabeça. 
– Não sou eu quem dá ordens ao majestoso astro. Só queria convidar e saber se tens planos. 
Sabendo que tem vaidade adiciono:
– Esse rio é tão limpo, forma um lindo espelho do céu. 
Olhando para o alto ele já vai se enroscando com outra nuvem... pisca para mim apontando o rio. 
Impossível evitar seus encantos, nem quero. 
Gosto do charme com que se move e hipnotizada desço a montanha, câmera em punho e o entusiasmo de observá-lo onde sua beleza se duplica, refletida nas águas frias do Missisquoi.


Vanessa Aquino

Julho 2020 - Missisiquoi

Fotografia: Vanessa Aquino 

Wednesday, July 1, 2020

Sobre Ser Poesia

O que é poetizar se não tornar-se outro?
Que métrica ilusão não ser um verso! 
Desmaterializar do corpo a própria flor 
num arrepio extremo virar força

Poesia é aura que se vê com a alma, 
impronunciável forma que se instala em nossos ouvidos 
como se fossem partes que nos faltavam 
e ao estar um pouco mais completos com tais chaves, 
portas do nosso ser 
se abrem.”

Vanessa Aquino

2020


Thursday, June 25, 2020

Da Vida



    Como os dias passassem sem sentido e preguiçosos, na vila pessoas morriam e outras pessoas nasciam para lhes repor o lugar deixado vazio nas casas, nas lojinhas, no porto, nas ruas, na vida. 

Não era uma vila pretensiosa, não desejava ser melhor, apenas seguia o curso que a vida impõe. “A vida nos coloca na estrada, então temos que caminhar, depois ela nos joga da ribanceira, não é preciso caminhar mais.” Estava escrito na pedra na entrada da ponte que leva à cidadezinha, como se quisesse logo avisar que é inútil tentar chegar à algum lugar, tudo é estrada. 


Vanessa de Aquino

Sem data - Escrito entre 2014 e 2019

Friday, November 25, 2016

Das Esferas



Que a vitória dos fascistas
não me faça amarga a alma.
Quero esquecer, quero sair
de todas as esferas
onde a falha percepção do fato 
dita a direção.
Não é um desejo fácil, vês
agora mesmo estão lá dentro
se atacando com palavras
Tolos…
Tudo isso por causa de uns vinte ou trinta
que não nos deixam viver em paz.
Querem o que fazemos, o que produzimos,
nosso dinheiro que nunca foi nosso.
Iludem-nos, deixando-nos carregar
pequenas quantias de um lugar a outro.
Não estão fartos, querem mais,
querem nosso estômago,
nossa educação, nossos encontros,
nossos filhos, nossas histórias,
nossos livros, nossas idéias.
Depois, vês aí dentro da esfera,
vendem-nos o que é nosso por um preço.
Tudo tem preço, a cerveja, o banho, a receita.
Fazem-nos pensar que tudo é gratuito.
Não fazemos idéia de que estamos apenas alimentando a fera.
Tudo tem preço...
O prazer, o cozer, o saber, o parecer, o esquecer.
Inventam realidades que adotamos
com a mesma displicência com a qual gastamos água.
Idiotas, nos deslumbramos com o fato
de que o amor que sentimos possa ser
expresso em tralha.
Nos esvaziaram, não somos nada sem eles.
A própria felicidade deve ser provada.
Não basta sorrir, tem-se que fotografar e filmar
e depois, depois é preciso ter aprovação.
E aí sim, podemos dormir sossegados
sabendo que somos felizes finalmente.
Mas até amanhã, quando precisamos
de novo pagar o preço.
Compramos absolutamente tudo o que nos vendem.
Claro, porque tudo é melhor
quando vem num pacote lustroso.
A verdade é que não há hoje
um biscoito de avó que rebata um cheetos.
"Eu escolho aquilo que sei que faz bem." - Alguém me disse.
Mas saber e escolher são duas coisas diferentes.
Ambas, porém, criadas por eles.
Como todos, eu choro.
Depois compro cheetos e não visito ninguém.
Nos supermercados, vejo o preço do abacate subir.
Uma das últimas maravilhas
que sobrara fora da esfera saudável.
Antes, manteiga de pobre, hoje, gordura dos deuses...
Compram tudo e com tudo compram medo.
Medo de envelhecer, medo de engordar, medo de ser triste.
Agora compram medo de dividir com estampas de guerras e terrorismo,
com estampas de igualdade disfarçada de pobreza,
outras vezes disfarçada de socialismo e comunismo.
Compram medo de perder empregos para imigrantes.
Enquanto eles… eles empregam microchips e robôs.
Compram medo da liberdade porque ela pode virar libertinagem.
Compram medo de perder regalias,
medo de conhecer outras culturas,
medo de não ser poderoso,
de não ter uma anaconda entre as pernas,
medo do apocalipse, da morte sem casa própria,
de perder a Copa, de não ser bonito em meio à toda a guerra,
medo de estar fora da esfera,
medo de ser gente.
E eu me pergunto, que medo compram as pessoas fora das esferas?
Elas não compram, elas não precisam, elas têm.
O horror da violência diária que compramos
de nossas telas cheias de medonhas imagens retintas
é delas.
Mas é delas também o magnificente abraço da vida,
de sinceras cores savanescas, com cheiro de pão e terra.
É delas a realidade opulenta da natureza
que dignifica, humilha e glorifica.
É delas que temos medo,
porque é delas que vem a nossa chance de voltar.
Preferimos ver nelas as mentiras que contam,
que são fracas, pobres, indomadas,
incapazes de raciocinar.
Claro, inteligente é o fascista que nos dividiu. 
Um povo em guerra mental ou física
é um povo fraco, fácil de dominar.
Amargos de alma, cada qual recolhe-se na sua cela
aceitando o trabalho dado,
desde que pareça ter sido uma escolha.
Afinal, quem foi que admitiu que o que fazemos é pouco ou medíocre? 
Quem foi que aceitou esbanjar mentiras e viver migalhas?
A verdade estremece no meu peito...
Foi quem votou, quem desprezou, discriminou,
quem está do outro lado! - eu grito internamente.
Vês, agora são presidentes, de países, de empresas,
de montanhas de inutilidades e bulhufas.
Meu coração aperta. É a verdade me ameaçando
com seu florete forjado na vergonha,
me acusando e me ferroando.
Contra-ataco com dois minutos na esfera,
tendo então convicções respaldadas,
a verdade cambaleia e se recolhe defensiva.
Respiro aliviada, aprumando o corpo.
A verdade, este dragão, agora dorme num canto escuro.
Tantos já enterraram esta besta terrível.
E eu ainda insisto em mantê-la viva,
'Inda que no porão,
sonhando em fazer as pazes e voar com ela.
...
Que a vitória dos fascistas
não me faça amarga a alma,
para que eu tenha a doçura e a bravura
de enfrentar a simplicidade,
a áspera beleza,
a recompensa diminuta do tripálio,
e a paz de ser.

Vanessa Aquino.
11/2016

Photo: Vanessa Aquino.

Monday, September 14, 2015

Do Adeus

Porque tu me deixastes
à mingua no teu carinho
e contigo levaste a luz deste meu olhar,
desespero meus passos
em busca de lucidez.

Porque todo o esquecimento
não pode sequer apagar
uma ponta das boas lembranças,
quebro eu mesma as poucas vigas
que deixaste de pé quando fostes.

Porque notícia alguma encontro
das promessas que me fizeste
quando amigo te fazias,
tomo eu este veneno
que é o desaparecimento.

Para que enfim possamos morrer
avessos de Shakespeare que somos
envenenados mutuamente,
apunhalados pela covardia,
enganados pelo desencontro.

Vanessa Emmanuelle de Aquino
2003

Friday, January 30, 2015

No olho do observador





















Estou aqui,
retorno no mesmo ponto e tempo de um inicio que outrora era raro para mim.
Retorno à mesma paisagem,
à mesma condição,
ao mesmo dia claro, gelado, sem nuvens,
ao mesmo centro cheio das mesmas oportunidades de antes,
à mesma cultura,
à mesma rotina,
às mesmas incertezas,
às mesmas esperanças.
Não vejo os mesmos problemas,
não me sinto estrangeira, superior ou inferior.
Não acho que estão erradas as coisas que vejo,
apenas penso que são como são.
Não brigo com o exterior ou com o interior.
Aprecio apenas. Amo inteira. Dôo o que tenho.
A realidade é outra.
E como poderia ser ela outra se ela é ainda assim a mesma?
Eu sou outra.
Meus olhos são outros,
e moldam a realidade de outra forma…

…A realidade está no olho do observador.



In the Eye of the Beholder

I'm here,
I have returned to the same point and time of a beginning that in the past was odd to me.
I have returned to the same landscape,
to the same condition,
to the same bright, cold and clear day,
to the same place full of same opportunities from the past,
to the same culture,
to the same routine,
to the uncertainties,
to the same hopes.
I don't see the same problems I saw before,
I don't feel like an alien, superior or inferior,
I don't think what I see around is wrong,
things are just the way they are.
I don't fight with the exterior or with the interior
I just appreciate. I love it. I give away what I have, freely.
The reality is another one.
And how could it be another one if it is still the same from before?
I am another one.
My eyes are different
they mold the reality differently...

…Reality is in the eye of the beholder.

Vanessa de Aquino

20 Jan, 2015.

Tuesday, November 18, 2014

Sem Coração!

Eu observo,
eu vejo a vida brotar nos jardins alheios enquanto as minhas plantas morrem.
É simples, eu sei.
Água, sol e algum carinho…
Mas quando eu tive o sol, não dava tempo,
quando eu lhe dei água, agüei demais
e o meu carinho… ah… eu não tenho um coração!

Monday, August 25, 2014

Pirate Love



And so there was me
troubled by the sand and sea
Believing the sun was so lazy
It wouldn't wake up a single daisy.
The bay was dark and shy
Alone I was, that's why
...then I followed the way in the sky
to arrive to my tryst on the sly.

A handsome pirate was waiting
He had no eye patch or braiding.
He showed me his ship far, far away,
and offered me some rum from Bombay (???).
Not sure it was me or the rum
but my view turned crooked and dumb,
The pirate promised me wonders,
Whales, sunrises and plunders.
I didn't believe it at first
But through the water a whale burst.

The sunrise sure came next
he held my hand, I was perplexed
A silent moment invaded the scene
I smiled hoping my teeth looked clean
That's the story of me and him
We got started by a simple whim:
Sharing a laugh, sharing a smile
sharing some love for our own guile

And if you ever see a big ship coming by
Don't hesitate, come to say "hi!"

Vanessa Emmanuelle