Sunday, August 29, 2021

Bruta



Sou pedra, 

bruta soul

Inalterada

Selvagem.


O que é bruto não está pronto para servir.


Das coisas que aprendi, larguei-as e esqueci. 

Vivo o movimento de esquecer

Desaprender a retidão 

Des-refinar o corpo, 

Deturpar a ordem dada.


Bruta 

Rasgo com arestas

As mãos dos negociantes. 

Nem sabem o que é pedra,

Julgam pela cor

Cortam, esmeram, lustram.

Depois dão o nome de diamante. 

Há quem acredite.

Ora, que senso faz a pedra fora do fora?

Mercadoria

nutrindo o vazio do que é perenemente oco.


Querem-me diamante

Para esconder numa caixa

Um caixão? 

Um caixão para guardar a vida, esta vida. 


A brutalidade, 

a ferocidade

foram tiradas de contexto.


Deixem-me ser bruta 

como só o pernicioso espinho,

o lobo faminto,

a delicada flor

E o amor sabem ser.

E eu derramarei meus minérios

No colo da terra.


Vanessa De Aquino

2021


Sunday, May 2, 2021

Mundo Novo



Afinal, pra que saber com quem te deitas? 

Apenas quero que te deites comigo.


É desejo sim. Amor, admiração

Quero deitar-me com a paixão.

Experimentar 

o prazer mais que carnal 

de saberes escondidos, 

rico em sentidos e sentimentos embolados

que enjoam o estômago e aprumam a alma.


Pra que saber se é pecado? 

Se a conduta pune? 

Se outros olhos questionam?

Quero mesmo é viver este desejo. 

Se ele revoluciona isso é para os outros, 

No porvir d’ondulação desta vontade.

Eu habito lá, no depois da revolução, 

onde o desejo já é fato,

criadouro do impossível.


Agora vem, segura a minha mão

e com teu saber desvela o seio 

que guarda o brilho da floresta.

Esquece só agora o que tens e o que deves, 

sente e vive o diminuto instinto 

que abre portas nunca abertas 

e as portas bem fechadas

por quem bebe nossas veias

E mastiga nossa luz.


Não olhe para trás, 

olhe para todos os lados.

Cada lado é sempre frente 

se com o corpo és uno.


Não pare, vem, 

é nossa chance de escapar do que se manda, 

conecta teus dedos nesta terra que aguarda sementes verdadeiras. 

Sejamos ervas daninhas, que ceifadas hoje, crescem de novo amanhã, 

Porque não temos fim, 

Tampouco há começo, 

E nunca se sucumbe quando se está em todos.


Vem, deita-te comigo e incendeia o velho mundo.



Vanessa De Aquino

Sunday, February 14, 2021

Futuros Náufragos


A Fria Lisura



É na fria lisura do aço

Que eu vi o presente passar


Legiões de monarcas

Temem por seus empregos

Órgãos à flor da pele 

E a pele já nada pode


A queda nunca tem fim


No mar naufragamos em vão

A seca que não se sacia

Está por dentro

Pelas ruas

No caos da aparência 


Somos todos futuros náufragos 



Da terra brota o pó em forma de vida morta 

Pavimentando a história com sombras que nos embotam

Governos, igrejas, mercados… a morte, eles abortam

Mas estiram nossos corpos frios no incólume concreto


O tato não reconhece o corpo


Caminham pés sem corpos, olhos sem retina 

Medos, sonos, cobiças transitam pela cidade

Comprando poeira bonita com pérolas que já não têm

De construções impotentes gritam algo sem grito

O eremita é o único que escuta.


A escuridão está morta


Escalam montanhas de coisas

São restos de humanos sonhos

Importa é estar no topo

A chegada é sempre um poço 


Velhice virou desmazelo


A uniformidade impera 

É o veto à diferença

Trancados do lado de fora

De nós mesmos


A boca jamais se escuta


A riqueza, essa miséria

Todo ouvido, fechado

Todo o silêncio, banido

Todo pensar, pré-cozido

Todo amor, descartável 

Toda dor é curável

Todo animal é o outro


O que resta de nós?

O que resta de nós?


Poema e foto: Vanessa De Aquino

Dec 2020




Thursday, February 4, 2021

O Conto Da Rua Das Flores


 

Havia uma casa na Rua das Flores onde crescia uma roseira. Porém, a cada ano ao final da primavera, apenas uma rosa floria. 

Era uma rosa tão formosa que ao passar diante dela, todos se detinham inevitavelmente para admirá-la. Porém, após ver tal rosa, as pessoas não eram mais capazes de ver beleza em nenhuma outra coisa. E para ver de novo alguma beleza no mundo, só mesmo passando pela Rua das Flores para ver a rosa. 

Toda a gente que admirava tanto aquela flor sentia sua vida seca e pálida quando a rosa morria no princípio do inverno, pois não podiam encontrar a beleza em nenhum outro lugar. 

Curiosamente, a cada ano, mais e mais pessoas se reuniam em frente a casa antes do fim da primavera. Elas desejavam voltar a ver a beleza que já não viam há tanto tempo.

Um dia, pouco a pouco, uma multidão começou a disputar espaço diante da casa, uns tentavam avançar, outros empurravam os que tinham lugares mais à frente, tudo para ter a chance de ver a flor. De repente, as pessoas começaram a matar umas às outras temendo perder a oportunidade de ver a rosa mais uma vez.

Quando todos estavam mortos, milhares de botões de rosa floresceram a tal ponto que na rua das flores não se podia ver nada mais que botões de rosa brilhantes cor de sangue.


Vanessa De Aquino

10-2010