Sunday, February 14, 2021

Futuros Náufragos


A Fria Lisura



É na fria lisura do aço

Que eu vi o presente passar


Legiões de monarcas

Temem por seus empregos

Órgãos à flor da pele 

E a pele já nada pode


A queda nunca tem fim


No mar naufragamos em vão

A seca que não se sacia

Está por dentro

Pelas ruas

No caos da aparência 


Somos todos futuros náufragos 



Da terra brota o pó em forma de vida morta 

Pavimentando a história com sombras que nos embotam

Governos, igrejas, mercados… a morte, eles abortam

Mas estiram nossos corpos frios no incólume concreto


O tato não reconhece o corpo


Caminham pés sem corpos, olhos sem retina 

Medos, sonos, cobiças transitam pela cidade

Comprando poeira bonita com pérolas que já não têm

De construções impotentes gritam algo sem grito

O eremita é o único que escuta.


A escuridão está morta


Escalam montanhas de coisas

São restos de humanos sonhos

Importa é estar no topo

A chegada é sempre um poço 


Velhice virou desmazelo


A uniformidade impera 

É o veto à diferença

Trancados do lado de fora

De nós mesmos


A boca jamais se escuta


A riqueza, essa miséria

Todo ouvido, fechado

Todo o silêncio, banido

Todo pensar, pré-cozido

Todo amor, descartável 

Toda dor é curável

Todo animal é o outro


O que resta de nós?

O que resta de nós?


Poema e foto: Vanessa De Aquino

Dec 2020




Thursday, February 4, 2021

O Conto Da Rua Das Flores


 

Havia uma casa na Rua das Flores onde crescia uma roseira. Porém, a cada ano ao final da primavera, apenas uma rosa floria. 

Era uma rosa tão formosa que ao passar diante dela, todos se detinham inevitavelmente para admirá-la. Porém, após ver tal rosa, as pessoas não eram mais capazes de ver beleza em nenhuma outra coisa. E para ver de novo alguma beleza no mundo, só mesmo passando pela Rua das Flores para ver a rosa. 

Toda a gente que admirava tanto aquela flor sentia sua vida seca e pálida quando a rosa morria no princípio do inverno, pois não podiam encontrar a beleza em nenhum outro lugar. 

Curiosamente, a cada ano, mais e mais pessoas se reuniam em frente a casa antes do fim da primavera. Elas desejavam voltar a ver a beleza que já não viam há tanto tempo.

Um dia, pouco a pouco, uma multidão começou a disputar espaço diante da casa, uns tentavam avançar, outros empurravam os que tinham lugares mais à frente, tudo para ter a chance de ver a flor. De repente, as pessoas começaram a matar umas às outras temendo perder a oportunidade de ver a rosa mais uma vez.

Quando todos estavam mortos, milhares de botões de rosa floresceram a tal ponto que na rua das flores não se podia ver nada mais que botões de rosa brilhantes cor de sangue.


Vanessa De Aquino

10-2010