Friday, November 25, 2016

Das Esferas



Que a vitória dos fascistas
não me faça amarga a alma.
Quero esquecer, quero sair
de todas as esferas
onde a falha percepção do fato 
dita a direção.
Não é um desejo fácil, vês
agora mesmo estão lá dentro
se atacando com palavras
Tolos…
Tudo isso por causa de uns vinte ou trinta
que não nos deixam viver em paz.
Querem o que fazemos, o que produzimos,
nosso dinheiro que nunca foi nosso.
Iludem-nos, deixando-nos carregar
pequenas quantias de um lugar a outro.
Não estão fartos, querem mais,
querem nosso estômago,
nossa educação, nossos encontros,
nossos filhos, nossas histórias,
nossos livros, nossas idéias.
Depois, vês aí dentro da esfera,
vendem-nos o que é nosso por um preço.
Tudo tem preço, a cerveja, o banho, a receita.
Fazem-nos pensar que tudo é gratuito.
Não fazemos idéia de que estamos apenas alimentando a fera.
Tudo tem preço...
O prazer, o cozer, o saber, o parecer, o esquecer.
Inventam realidades que adotamos
com a mesma displicência com a qual gastamos água.
Idiotas, nos deslumbramos com o fato
de que o amor que sentimos possa ser
expresso em tralha.
Nos esvaziaram, não somos nada sem eles.
A própria felicidade deve ser provada.
Não basta sorrir, tem-se que fotografar e filmar
e depois, depois é preciso ter aprovação.
E aí sim, podemos dormir sossegados
sabendo que somos felizes finalmente.
Mas até amanhã, quando precisamos
de novo pagar o preço.
Compramos absolutamente tudo o que nos vendem.
Claro, porque tudo é melhor
quando vem num pacote lustroso.
A verdade é que não há hoje
um biscoito de avó que rebata um cheetos.
"Eu escolho aquilo que sei que faz bem." - Alguém me disse.
Mas saber e escolher são duas coisas diferentes.
Ambas, porém, criadas por eles.
Como todos, eu choro.
Depois compro cheetos e não visito ninguém.
Nos supermercados, vejo o preço do abacate subir.
Uma das últimas maravilhas
que sobrara fora da esfera saudável.
Antes, manteiga de pobre, hoje, gordura dos deuses...
Compram tudo e com tudo compram medo.
Medo de envelhecer, medo de engordar, medo de ser triste.
Agora compram medo de dividir com estampas de guerras e terrorismo,
com estampas de igualdade disfarçada de pobreza,
outras vezes disfarçada de socialismo e comunismo.
Compram medo de perder empregos para imigrantes.
Enquanto eles… eles empregam microchips e robôs.
Compram medo da liberdade porque ela pode virar libertinagem.
Compram medo de perder regalias,
medo de conhecer outras culturas,
medo de não ser poderoso,
de não ter uma anaconda entre as pernas,
medo do apocalipse, da morte sem casa própria,
de perder a Copa, de não ser bonito em meio à toda a guerra,
medo de estar fora da esfera,
medo de ser gente.
E eu me pergunto, que medo compram as pessoas fora das esferas?
Elas não compram, elas não precisam, elas têm.
O horror da violência diária que compramos
de nossas telas cheias de medonhas imagens retintas
é delas.
Mas é delas também o magnificente abraço da vida,
de sinceras cores savanescas, com cheiro de pão e terra.
É delas a realidade opulenta da natureza
que dignifica, humilha e glorifica.
É delas que temos medo,
porque é delas que vem a nossa chance de voltar.
Preferimos ver nelas as mentiras que contam,
que são fracas, pobres, indomadas,
incapazes de raciocinar.
Claro, inteligente é o fascista que nos dividiu. 
Um povo em guerra mental ou física
é um povo fraco, fácil de dominar.
Amargos de alma, cada qual recolhe-se na sua cela
aceitando o trabalho dado,
desde que pareça ter sido uma escolha.
Afinal, quem foi que admitiu que o que fazemos é pouco ou medíocre? 
Quem foi que aceitou esbanjar mentiras e viver migalhas?
A verdade estremece no meu peito...
Foi quem votou, quem desprezou, discriminou,
quem está do outro lado! - eu grito internamente.
Vês, agora são presidentes, de países, de empresas,
de montanhas de inutilidades e bulhufas.
Meu coração aperta. É a verdade me ameaçando
com seu florete forjado na vergonha,
me acusando e me ferroando.
Contra-ataco com dois minutos na esfera,
tendo então convicções respaldadas,
a verdade cambaleia e se recolhe defensiva.
Respiro aliviada, aprumando o corpo.
A verdade, este dragão, agora dorme num canto escuro.
Tantos já enterraram esta besta terrível.
E eu ainda insisto em mantê-la viva,
'Inda que no porão,
sonhando em fazer as pazes e voar com ela.
...
Que a vitória dos fascistas
não me faça amarga a alma,
para que eu tenha a doçura e a bravura
de enfrentar a simplicidade,
a áspera beleza,
a recompensa diminuta do tripálio,
e a paz de ser.

Vanessa Aquino.
11/2016

Photo: Vanessa Aquino.